Decisão CNIL:
proteção de dados dos colaboradores

A Amazon France Logistique (AFL) é responsável pela gestão dos grandes armazéns do grupo Amazon em França. No âmbito da sua atividade logística, cada trabalhador do armazém dispõe de um scanner que permite, em tempo real, o registo da execução de determinadas tarefas que lhe são atribuídas. Contudo, cada scan/registo efetuado resulta numa base de dados que são armazenados e utilizados para o cálculo de indicadores destinados a fornecer informações sobre a qualidade, a produtividade e os períodos de inatividade de cada trabalhador.

Após a receção de várias queixas por parte dos trabalhadores e na sequência de diversas publicações na imprensa acerca das práticas da empresa nos seus armazéns, a CNIL (Autoridade Francesa de Proteção de dados) decidiu iniciar uma investigação que se concluiu, a 27 de dezembro de 2023, com a aplicação de uma multa de 32 milhões de euros à AFL (I) pela criação de um sistema excessivamente intrusivo de monitorização da atividade e do desempenho dos trabalhadores, bem como (II) pela falta de segurança e de informação necessária relativas à videovigilância.

Ambas as considerações que motivaram a respetiva sanção tiveram por base uma série de violações detetadas no decorrer da investigação:

I. Violações relacionadas com a monitorização de trabalhadores através da utilização de scanners: 

  1. Violações relativas à gestão do armazém e das encomendas
    1. Uma vez que o processo de gestão de stock e das encomendas se decompõe em várias tarefas, a gestão de cada trabalhador revela-se aqui importante para a prestação de assistência na execução das suas tarefas, bem como para a reatribuição das mesas. Sem prejuízo, a CNIL considerou que a prestação de assistência a um trabalhador, ou a reatribuição de tarefas em tempo real, não exige o acesso a todos os pormenores dos indicadores de qualidade e de produtividade do trabalhador recolhidos através dos scanners e conservados por 31 dias.
      Neste âmbito, A CNIL salientou ainda que os supervisores podem apoiar-se nos dados comunicados em tempo real para identificar as dificuldades que um trabalhador possa estar a ter, ou para identificar os trabalhadores a reatribuir a uma tarefa em caso de pico de atividade. Por conseguinte, a Comissão concluiu que, para além dos dados em tempo real, seria suficiente a conservação semanal de uma seleção de dados agregados.

    2. A Autoridade francesa considerou que três indicadores tratados pela AFL carecem de fundamento de licitude:
      • o indicador “Stow Machine Gun”, que assinala um erro quando um trabalhador digitaliza um artigo “demasiado rápido” (mais concretamente em menos de 1,25 segundos após ter digitalizado um artigo anterior);
      • o indicador “tempo de inatividade”, que assinala períodos de inatividade do scanner de dez minutos ou mais;
      • o indicador “latência inferior a dez minutos”, que assinala períodos de interrupção do scanner entre um e dez minutos.

Com efeito, o tratamento do primeiro indicador permite uma monitorização constante (“ao segundo”) dos trabalhadores e os dois últimos implicam que os mesmos sejam potencialmente obrigados a justificar, a qualquer momento, a interrupção do seu scanner, mesmo que seja por um período muito curto.

Não obstante a necessidade de precisão no controlo dos trabalhos realizados, a fim de se garantir a qualidade do serviço, a CNIL constatou que o tratamento destes três indicadores não podia basear-se num interesse legítimo da AFL (artigo 6º nº1 f) RGPD), uma vez que conduzia a um controlo excessivamente intrusivo dos trabalhadores, pelo que os interesses destes sobrelevam aqui os interesses prosseguidos pela empresa. Adicionalmente, a Comissão considerou também que a AFL já tem acesso a numerosos indicadores em tempo real, tanto individuais como agregados, para atingir os respetivos objetivos.

2. Violações relativas ao horário de trabalho e avaliação dos trabalhadores

    1. A Autoridade francesa considerou que a definição do horário de trabalho nos armazéns, bem como a avaliação e a formação dos trabalhadores, não exigem o acesso a todos os dados e indicadores estatísticos que são fornecidos pelos scanners e conservados por 31 dias, tendo inversamente entendido que as estatísticas de cada trabalhador, conservadas ao longo de uma semana, por exemplo, são suficientes para avaliar o domínio de uma tarefa e o seu desempenho, para reunir as equipas pertinentes e para identificar necessidades de formação. Por último, concluiu-se que o objetivo de acompanhar o trabalho efetivo do trabalhador, de o avaliar ou de o formar, não justificava o registo de um tempo de inatividade superior a dez minutos.
    2. A Comissão constatou que, até abril de 2020, os trabalhadores temporários não foram devidamente informados acerca do tratamento dos seus dados, uma vez que a empresa não garantiu a disponibilização atempada da sua política de privacidade.

II. Violações relacionadas com processamento de dados por videovigilância:

    1. A Autoridade francesa constatou que tanto os funcionários, como os visitantes externos, não se encontravam devidamente informados sobre a utilização dos sistemas de videovigilância, uma vez que não foram disponibilizadas determinadas informações exigidas pelo artigo 13º do RGPD.
    2. A CNIL constatou ainda que o acesso ao software de videovigilância não era seguro, dado que a password atribuída não era suficientemente forte, e que a conta de acesso era partilhada por vários utilizadores, dificultando o rastreio do acesso às imagens de vídeo e das ações operadas no software.

Neste contexto e por forma a determinar o montante da sanção, a CNIL atendeu, nomeadamente aos seguintes fatores:

  • sistema implementado e distinto dos métodos tradicionalmente utilizados para o controlo da atividade, devido à escala em que foi aplicado, bem como por conduzir a uma monitorização bastante intrusiva e pormenorizada do trabalho realizado pelos funcionários, colocando-os assim sob uma pressão contínua.
  • elevado número de pessoas envolvidas;
  • estes constrangimentos impostos aos trabalhadores contribuíam diretamente para os ganhos económicos da AFL, acabando por lhe conferir uma vantagem competitiva em relação a outras empresas concorrentes no mercado.
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